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MODELO Recurso de Revista

Rescisão Do Contrato De Trabalho – Iminência De Empregada Realizar Cirurgia – Ciência Dos Superiores Hierárquicos Do Quadro De Saúde Da Empregada - Tratamento De Doença - Dispensa Discriminatória – Indenização Compensatória – Ofensa ao artigo 1º da Lei Nº 9.029 /95. Transcendência POLÍTICA

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EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA xª REGIÃO


Autos do processo 000000

 

 

 

 

MARIA DE TAL, já qualificado, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, por intermédio de seu advogado infra-assinado, interpor

 

RECURSO DE REVISTA

 

com fulcro no art. 896 da CLT, requerendo seu regular processamento, com a remessa dos autos ao C. Tribunal Superior do Trabalho.


Nesses termos, pede deferimento.


Cidade Maravilhosa, RJ, data da assinatura digital.

 

Wendell Rodrigues Da Silva

OAB/RJ 231.921

 

 


 

Colendo Tribunal Superior do Trabalho



Processo 000000

Recorrente: MARIA DE TAL

 

Pressupostos Extrínsecos

Demonstração de preenchimento dos pressupostos extrínsecos do recurso


O recurso é tempestivo, está regular a representação processual e preparo dispensado. Estão preenchidos, portanto, os pressupostos recursais extrínsecos.

 

RAZÕES DE REVISTA


Pressupostos específicos


Rescisão Do Contrato De Trabalho – Iminência De Empregada Realizar Cirurgia – Ciência Dos Superiores Hierárquicos Do Quadro De Saúde Da Empregada - Tratamento De Doença - Dispensa Discriminatória – Indenização Compensatória – Ofensa ao artigo 1º da Lei Nº 9.029 /95. Transcendência POLÍTICA

Razões para o conhecimento e provimento do recurso, quanto ao tema


O e. TRT apresentou os seguintes fundamentos ao examinar o recurso ordinário (art. 896, § 1º-A, IV, da CLT):


2.2.1. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. DANO MORAL


A reclamante alegou na petição inicial, em síntese, que informou à reclamada que se seria submetida a cirurgia para tratamento de Endometriose e Hérnia de umbigo no dia XX/XX/2023, assim como do adiamento da cirurgia, em razão de problemas com a documentação.


No entanto, alegou que, mesmo enferma e com procedimento cirúrgico agendado, a reclamada a dispensou no dia XX/XX/2023 , incorrendo em prática de ato ilícito na forma do art. 187 do Código Civil.


Sustentou que a sua dispensa foi discriminatória, buscando a reclamada se desvencilhar de uma trabalhadora que teria que se afastar de suas atividades, estando sujeita a todas as possíveis complicações e consequências inerentes a qualquer cirurgia.


Assim, requereu a condenação da reclamada ao pagamento em dobro da remuneração do período de afastamento com fulcro no art. 4º, II, da lei n. 9.029/95, além de indenização por danos morais.


O MM. Juiz julgou improcedente os pedidos, com base nos seguintes fundamentos, in verbis:


"(...) De início, em que pese a juntada de longa conversa estabelecida entre reclamante e seu gerente imediado, Sr. XX (id ce96999), não consta nenhum trecho que indique o menor sinal de discriminação decorrente de sua doença, inclusive quando informa a respeito das consultas médicas e da cirurgia. Pelo contrário, o diálogo revela bom relacionamento entre ambos.

De igual modo , o Sr. FULANO recebeu o aviso a respeito da cirurgia no início de março/2023 sem manifestar qualquer óbice (id 8d63523).

Ademais, durante o curto período em que laborou para a ré (novembro/22 a março/23), não há registro de afastamentos por motivo de doença (id fe29c81), fato confirmado pelas partes em depoimentos pessoais.

A preposta asseverou, ainda, que nunca foi apresentado documento a respeito da cirurgia ao setor de Recursos Humanos, apenas declarações de comparecimento a consultas eletivas; que a reclamante nunca faltou ao trabalho injustificadamente; que não tem nenhum conhecimento da cirurgia.

A testemunha indicada pela reclamante, XX, disse que trabalhou por 10 meses na ré; que depoente e reclamante laboravam na mesma função, mas em Usinas diferentes; que raramente encontrava com a reclamante no seu dia a dia; que não soube dizer o motivo da dispensa da autora; que soube da cirurgia porque a reclamante comunicou em reunião de trabalho; que a situação da reclamante era de conhecimento da empresa; que não havia outro técnico de segurança para substituí-la durante seu afastamento; que a XX exigia a permanência de um técnico na área, de modo que todos os afastamentos de funcionários da empresa eram previamente comunicados à equipe; que acredita que seja para programar a substituição do ausente; que também tratou endometriose, com vacinas.

A testemunha indicada pela ré, XXX, disse que não sabe os motivos das dispensas da reclamante e da ex-empregada XX; que acha que foi por baixa produtividade; que já ouviu comentário de que a autora estava com endometriose; que a própria autora comentou numa sala; que nunca presenciou comunicação a respeito da data da cirurgia da reclamante.

As testemunhas foram unânimes ao declarar que não sabem o motivo pelo qual a autora foi dispensada pela reclamada.

A prova oral, pois, controverteu a tese da reclamante de que a sua cirurgia era de conhecimento da empresa e que, por tal razão, teria sido dispensada.

Outrossim, assiste razão à ré no tocante à ausência de doença estigmatizante, visto que a endometriose e a hérnia não são doenças que podem acarretar estigma ou preconceito, sendo passíveis de tratamento médico simples e, eventualmente, os pacientes são submetidos à cirurgia de caráter eletivo, como no caso da autora .

Em todo caso, os tratamentos prescindem de longo afastamento das atividades laborais (cerca de 15 dias, conforme atestado de id 0a3251e).

Quanto à alegação da autora de que a testemunha XX mentiu em Juízo (id 0f95996), entendo que a simples menção da autora à Sra. XX, em janeiro/2023, de que futuramente, sem precisar a data, faria a cirurgia para tratar a endometriose (id 0f95966) não equivale à comunicação sobre a data marcada para a realização do procedimento.

Em suma, revelou-se regular a dispensa sem justa causa, estando legitimado o direito potestativo do empregador.

Além disso, não foi comprovada nenhuma conduta da ré, por seus prepostos, que tenham ocasionado dano à moral da autora.

Assim, por se tratar de fato que foge ao ordinário, de que necessita de prova robusta, por não ter se desvencilhado a parte autora de seu ônus, rejeito os pedidos "3", "4" e "5"."

 Em seu apelo, a reclamante alega restar comprovado nos autos que, durante todo o período que antecedeu a cirurgia, sempre manteve os seus superiores, o Gerente de Segurança do Trabalho XXe o Gestor do contrato XXXX, devidamente informados sobre a cirurgia, inclusive em vista da necessidade de realizar exames e outros procedimentos preparatórios.

Ressalta que a testemunha XX afirmou que todo o setor de segurança do trabalho sabia que a recorrente seria submetida a procedimento cirúrgico, tendo em vista a necessidade de alguém cobrir a reclamante. 

Pontua que as provas constantes nos autos demonstram que a recorrida tinha plena ciência da cirurgia agendada e mesmo assim a dispensou em X/X/2023, destacando que a cirurgia ocorreu no dia X/X/2023, durante o curso do aviso prévio e, assim, ainda na vigência do vínculo de emprego na forma do art. 487 da CLT.

Sustenta, portanto, que foi dispensada quando estava comprovadamente enferma e com procedimento cirúrgico agendado, de forma que cabia à recorrida comprovar que o desligamento da recorrente se deu por outro motivo, sob pena de se presumir discriminatório, como ordinariamente ocorre.

No entanto, alega que a recorrida sequer se dispôs a esclarecer o contexto em que se deu a dispensa da recorrente, limitando-se a argumentar em defesa que a pagou as verbas rescisórias, não houve afastamento ou ocupação de cargo sindical, não gozava de qualquer estabilidade, não apresentou atestado médico relativo à doença estigmatizante e que a cirurgia a que iria se submeter não seria motivo plausível para que gozasse de estabilidade naquele período.

Diz que a expressão "entre outros", contida no art. 1º da Lei n. 9.029/1995, evidencia que a lei não é taxativa quanto às práticas potencialmente discriminatórias havidas na relação de trabalho, deixando margem ao intérprete subsumir fatos à norma. Assim, a dispensa sem qualquer razão, às vésperas de uma cirurgia, também caracteriza dispensa discriminatória.

Requer, portanto, a condenação da reclamada ao pagamento em dobro da remuneração do período de afastamento, além do pagamento de indenização por danos morais, nos termos do art. 4º da Lei nº. 9.029/1995.

Sem razão.

A Lei n. 9.029/1995, em seu art. 1º, veda a adoção de quaisquer práticas discriminatórias para efeitos de admissão ou permanência da relação de trabalho, verbis:

"Art. 1º É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7o da Constituição Federal. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)"

Ademais, no art. 4º, o referido Diploma Legal estabelece que:

"Art. 4º. O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta Lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre: (Redação dada pela Lei nº 12.288, de 2010)

I - a reintegração com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros legais; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)

II - a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais." (grifei)

Por seu turno, a Súmula n. 443 do TST dispõe que:

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO. Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.

Conforme o disposto no art. 1º, III, da CF, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, assegurando a saúde dentre os direitos sociais, o que impõe que as empresas, no exercício de sua função social, garantam a todos existência mais digna, inclusive, e sobretudo, a de seus empregados.

O dano moral pode ser definido como a lesão que atinge a dignidade da pessoa humana, bem como os direitos e bens inerentes a sua essência.

Nos moldes do art. 5º, X, da CF, "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas", sendo que do descumprimento dessa regra deriva o direito à resposta e indenização previstos no inciso V do referido dispositivo constitucional.

Extrai-se do art. 186 c/c art. 927 do Código Civil que a indenização por danos morais sofridos pelo empregado no âmbito do contrato de trabalho pressupõe a prática de um ato ilícito, consubstanciado num erro de conduta ou exercício abusivo do direito, ato este praticado pelo empregador ou por preposto seu, que acarrete um prejuízo ao trabalhador, com a subversão dos seus valores subjetivos da honra, dignidade, intimidade ou imagem, devendo coexistir, ainda, o nexo de causalidade entre a conduta injurídica do primeiro e o dano experimentado pelo último.

Para o reconhecimento da existência do dano moral, mister reconhecer que o empregador tenha agido com dolo ou culpa, abalando as estruturas psicológicas do trabalhador, por uma situação anormal que não seja decorrente do exercício natural de seu trabalho ou de uma circunstância que escape ao controle do patrão.

Todavia, no caso vertente não ficou comprovada nos autos a ocorrência de dispensa discriminatória.

De pronto, destaco que o disposto na Súmula 443 do E. TST não se aplica à reclamante, tendo em vista que a cirurgia para tratamento de Endometriose e Hérnia umbilical não se enquadra no conceito de "doença grave que suscite estigma ou preconceito."

Desse modo, não se tratando da hipótese de presunção, na forma da Súmula 443 do TST, entendo que é ônus da reclamante comprovar que a dispensa é discriminatória, nos termos do art. 818, I, da CLT.

Corroborando esse entendimento, eis o seguinte julgado:

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. ÔNUS DA PROVA. A Súmula n.º 443 do colendo TST apresenta os casos em que se presume que a dispensa ocorreu em razão de prática discriminatória; não se enquadrando a situação do reclamante nas hipóteses descritas na referida súmula, cabe à parte autora o encargo de comprovar que a rescisão contratual se deu por motivo discriminatório. Inteligência do art. 818, I, da CLT. HORAS DE PRONTIDÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. Deixando o reclamante de demonstrar que estava obrigado a permanecer na fazenda, à disposição do empregador, para ligar e desligar os aeradores dos silos de armazenagem de grãos, não há de se falar em pagamento de horas de prontidão nos moldes postulados pelo demandante. (TRT-10 00002622120195100861 DF, Data de Julgamento: 16/09/2020, Data de Publicação: 23/09/2020)


A reclamante foi admitida em X/X/2022, na função de Técnica em Segurança do Trabalho, e dispensada no dia X/XX/2023.


Resta suficientemente demonstrado pela prova documental e testemunhal que a reclamante informou aos seus superiores hierárquicos que teria que submeter a cirurgia para tratamento de Endometriose, a qual foi originalmente agendada para o dia X/XX/2023 (IDs. 8d63523 e ce96999).


Não se olvida que o procedimento cirúrgico, realizado no dia XX/XX/2023, ocorreu dentro do período de projeção do aviso prévio (Ids. 28bc2e8, 0a3251e, 269541a).


No entanto, não restou evidenciada qualquer limitação laborativa da reclamante em razão da doença que sofria.


Além do mais, convém observar que a cirurgia foi realizada pelo método de videolaparoscopia, ou seja, por vídeo, com pequenas incisões no abdômen, método de conhecida simplicidade e eficiência, que não enseja desdobramentos que possam refletir, após a alta médica, na prestação dos serviços eventualmente prestados.


Ademais, importa destacar que pela simples realização do referido procedimento cirúrgico não emerge presunção de discriminação de eventual dispensa do trabalhador.


Como pontuado na sentença, os prints de conversas mantidas pelo aplicativo WhatsApp com o superior hierárquico não evidenciam qualquer má conduta ou óbice quanto à realização da cirurgia pela reclamante. Além disso, as testemunhas, inclusive aquela arrolada pela reclamante, não souberam a razão do desligamento da autora.


Certo é que a reclamante não conseguiu comprovar suas alegações de dispensa discriminatória, ônus que indubitavelmente lhe competia.


Portanto, observa-se que, quando da dispensa da reclamante, inexistia inaptidão para o trabalho ou data certa para o procedimento cirúrgico, não restando evidenciados indícios de postura discriminatória do empregador, presumindo-se, assim, que a dispensa decorreu do exercício do direito potestativo quanto à resilição contratual.


Desse modo, indevido o pagamento da indenização prevista na Lei n. 9.029/1995 e da indenização por dano moral, porquanto não evidenciado ato ilícito na dispensa da trabalhadora.


Assim, mantenho a sentença recorrida por seus próprios fundamentos.


Nego provimento


O acórdão regional merece reforma por parte deste Tribunal Superior do Trabalho mediante novo reenquadramento jurídico das premissas fáticas registradas. É fundamental registrar que o reenquadramento jurídico dos fatos não importa em revolvimento, tampouco revaloração das provas, não implicando contrariedade à Súmula nº 126 do TST.


Quanto ao delineamento dos elementos fáticos, o Eg. TRT registrou que “a reclamante foi admitida em X/X/2022, na função de Técnica em Segurança do Trabalho, e dispensada no dia X/X/2023”.


Consignou ainda que “Resta suficientemente demonstrado pela prova documental e testemunhal que a reclamante informou aos seus superiores hierárquicos que teria que submeter a cirurgia para tratamento de Endometriose, a qual foi originalmente agendada para o dia X/X/2023 (IDs. 8d63523 e ce96999)” .


Por fim, consignou que “Não se olvida que o procedimento cirúrgico, realizado no dia X/X/2023, ocorreu dentro do período de projeção do aviso prévio (Ids. 28bc2e8, 0a3251e, 269541ª)”


Porém, a Corte de origem concluiu que “o disposto na Súmula 443 do E. TST não se aplica à reclamante, tendo em vista que a cirurgia para tratamento de Endometriose e Hérnia umbilical não se enquadra no conceito de "doença grave que suscite estigma ou preconceito”.”


Como se observa da descrição do quadro fático, a Reclamante tinha endometriose e hérnia umbilical, avisou seus superiores que iria precisar realizar uma cirurgia para tratar as doenças e, antes que pudesse realizar o procedimento cirúrgico, foi dispensada sem justa causa.


O enquadramento jurídico dado foi o de afastar o caráter discriminatório da dispensa, por considerar que as doenças não possuíam viés estigmatizante, afastando, assim, a incidência do entendimento firmado na Súmula nº 443 do TST.

Ocorre que para que a dispensa seja caracterizada como discriminatória não se exige apenas o cumprimento dos requisitos da Súmula nº 443 do TST, quais sejam: doença que cause estigma ou preconceito.


Isso porque a Lei nº 9.029/95 proíbe expressamente “a adoação de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção”, elencando alguns critérios, mas também apresentando uma redação que contempla outras hipóteses a serem preenchidas pelo aplicador da lei, no momento da prestação jurisdicional. Veja-se a redação do artigo 1º da Lei nº 9.029/95:


Art. 1o    É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção , por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros , ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7o da Constituição Federal.  (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)  (Vigência)


O fato de a Reclamante ter dado ciência de seu quadro de adoecimento e da necessidade de realizar procedimento cirúrgico a seus superiores hierárquicos e ter sido dispensada sem justa causa em data próxima à da cirurgia , que iria requerer o seu afastamento das atividades profissionais por pelo menos 15 dias (prazo coberto financeiramente pelo empregador nesse limite dos primeiros 15 dias), indica que a dispensa teve caráter discriminatório .


A forma como os fatos se encadearam produzem um contexto em que se vislumbra uma dispensa como forma de “descartar” do quadro funcional uma trabalhadora que apresentou problemas físicos que poderiam lhe afastar das atividades profissionais, ainda que de forma apenas provisória e breve.


Essa conclusão é possível pela análise não só do direito posto, mas também de estudos na área da sociologia do trabalho. Nesse sentido, são as reflexões do Diretor do Laboratório de Mudança Social e Professor de Sociológia da Universidade de Paris VII, Dr. Vincent de Gaulejac, em sua obra “Gestão como doença social”, ao abordar a fomo como “o humano é um recurso da empresa”.


Dr. Vincent de Gaulejac explica que a própria gestão empresarial se organiza a partir de uma lógica utilitarista e pragmática, que busca acima de tudo uma produção eficiente. Em suas próprias palavras, afirma:


“O paradigma utilitarista transforma a sociedade em máquina de produção e o homem em agente a serviço da produção. A economia se torna a finalidade exclusiva da sociedade, participando da transformação do humano em ‘recurso’.” (DE GAULEJAC, Vincent. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Tradução: Ivo Stroniolo. São Paulo: Ideias e Letras, 2007, p. 79.)


Como consequência desse paradigma utilitarista de gestão, os trabalhadores são vistos e tratados como mais um tipo de ferramenta ou instrumento a serviço da empresa, ao ponto de que “os improdutivos são rejeitados, porque eles se tornam ‘inúteis para o mundo’”, para utilizar a expressão de Castel em conjunto com a reflexão de Vincent de Gaulejac (DE GAULEJAC, Vincent. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação socialTradução: Ivo Stroniolo. São Paulo: Ideias e Letras, 2007, p. 80 e 81).


Avançando nesta construção sociológica, Vincent de Gaulejac explica o funcionamento da gestão nos seguintes termos:


“A temporalidade do trabalho leva a impor ritmos, cadências, rupturas que se afastam do tempo biológico, do tempo das estações, do tempo da vida humana. A medida abstrata do tempo permite desligá-lo das necessidades fisiológicas ou psicológicas: o sono, o alimento, a procriação, o envelhecimento etc. O indivíduo submetido à gestão deve adaptar-se ao ‘tempo do trabalho’, às necessidades produtivas e financeiras. A adaptabilidade e a flexibilidade são exigidas em mão única: cabe ao homem adaptar-se ao tempo da empresa e não o inverso.

“O gestionário não suporta as férias. É preciso que o tempo seja útil, produtivo e, portanto, ocupado. A desocupação lhe e insuportável. A abordagem da qualidade ilustra de modo caricatural essas representações que concebem a vida humana em uma perspectiva instrumental e produtivista.” (DE GAULEJAC, Vincent. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Tradução: Ivo Stroniolo. São Paulo: Ideias e Letras, 2007, p. 82 e 83 - Grifos acrescidos)


Nesse paradigma de gestão utilitarista, o trabalhador que se encontra na iminência de um procedimento cirúrgico, que requer necessariamente um afastamento provisório do trabalho, apresenta-se como incompatível com o sistema de produção, pois seu valor instrumental perde fôlego com a necessidade de uma pausa.


Porém, é fundamental repisar que a Constituição da Organização Internacional do Trabalho estabelece dentre os princípios fundamentais que a instituem o princípio de que “ o trabalho não é mercadoria ”, no rol da Declaração referente aos fins e objetivos da OIT.


O trabalhador não pode ser compreendido como uma mera peça da engrenagem, como na obra cinematográfica “ Tempos Modernos ”, que, quando precisa de um afastamento para tratar sua saúde, passa a ser visto como peso morto a ser substituído ou eliminado da empresa.


O uso desenfreado da tecnologia e muitas vezes para substituir mão de obra humana tem como efeito danoso a compreensão de que quem ou aquilo que trabalha quando estraga ou sofre dano pode ser descartado. Esse é, inclusive, um dos argumentos utilizados pelos entusiastas da inteligência artificial e das novas tecnologias.


A iminência de uma crise na saúde do trabalhador, sinalizada pela necessidade de um procedimento cirúrgico, em data próxima à dispensa indica com precisão o seu viés discriminatório, nos termos do artigo 1º da Lei nº 90.029/95.


Nesse sentido, já decidiu o Tribunal Superior do Trabalho (citações sem fim de provocar divergência jurisprudencial no tema):


TST 2024 "AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - DISPENSA DISCRIMINATÓRIA FORA DAS HIPÓTESES DA LEI Nº 9.029/1993 E DA SÚMULA Nº 443 DO TST - CONFIGURAÇÃO - RESTRIÇÃO DO EXERCÍCIO DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR. Ainda que a doença degenerativa do reclamante não seja considerada estigmatizante ou gere preconceito nos termos da Súmula nº 443 desta Corte, o contexto em que se desenvolveu o contrato de trabalho revela que a culminância da demissão logo após a iminência de uma cirurgia (com o conhecimento da empresa), indica discriminação com a situação do empregado, que a toda evidência ainda se encontrava doente no momento da despedida . Agravo interno desprovido. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. REINTEGRAÇÃO No caso dos autos, restou delimitada a plena ciência do empregador acerca das condições de saúde do autor, portador de doença degenerativa no ombro com indicação cirúrgica, razão pela qual esta Corte reconhece a nulidade da despedida discriminatória, fazendo jus o trabalhador à reintegração. Diante da confirmação nesta instância extraordinária dos termos do acórdão regional, em que constatada a dispensa discriminatória, mantém-se a tutela de urgência deferida na origem, uma vez que preenchidos os requisitos para tanto, previstos no art. 300 do CPC. Agravo interno desprovido" (Ag-AIRR-132900-55.2013.5.17.0013, 2ª Turma, Relatora Desembargadora Convocada Margareth Rodrigues Costa, DEJT 14/06/2024 – grifos acrescidos).


Em caso emblemático e bastante próximo ao quadro fático dos presentes autos, a C. 4ª Turma entendeu que o entendimento firmado na Súmula nº 443 do TST não se restringe a doenças estritamente estigmatizantes, mas também permite reconhecer a dispensa discriminatória quando a doença, qualquer que seja, motiva implicitamente a dispensa. Eis os fundamentos sintetizados na ementa do julgado:


TST 2024 "RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA ( LIDERANÇA LIMPEZA E CONSERVAÇÃO LTDA. ). ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014 . 1. REINTEGRAÇÃO. EMPREGADA EM TRATAMENTO DE SAÚDE. DISPENSA APÓS COMUNICADO DE AGENDADAMENTO DE CIRURGIA A SER REALIZADA DENTRO DE POUCOS DIAS. CONDUTA DISCRIMINATÓRIA. REQUISITOS. NÃO CONHECIMENTO . I . Nos termos dos arts. 1º e 4º da Lei nº 9.029/1995, a reintegração do empregado exige que a extinção do contrato de trabalho tenha ocorrido por motivo de prática discriminatória por parte do empregador visando limitar a manutenção da relação de emprego . II . Na hipótese dos autos, a Corte Regional decidiu que foi " o que ocorreu no presente caso, em que a empresa, de forma abusiva e arbitrária, dispensou a reclamante, mesmo sabendo [...] que ela estava em tratamento de saúde e seria submetida a tratamento cirúrgico dentro de poucos dias ". III . Diante do registro feito pelo Tribunal Regional, a alegação de que não foi comprovada a dispensa discriminatória não pode ser acolhida . Imperioso destacar que a Súmula nº 443 do TST não restringe o reconhecimento da dispensa discriminatória apenas às hipóteses ali tratadas, estando o Tribunal Regional autorizado a analisar as circunstâncias de cada caso. Logo, não há ofensa aos arts. 1º e 4º da Lei nº 9.029/1995, tampouco contrariedade à Súmula nº 443 do TST . IV . Os arestos colacionados são inservíveis para demonstrar a divergência jurisprudencial, porquanto não contém o órgão oficial de publicação, a teor da Súmula nº 337, I, "a", do TST. Além disso, não foi cumprido o disposto no art. 896, § 8º, da CLT, porque não demonstrada " as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados ". V . Recurso de revista de que não se conhece. 2. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. ÔNUS DA PROVA. VALOR ARBITRADO À CONDENAÇÃO. NÃO CONHECIMENTO. I . A Corte Regional não proferiu julgamento com base no critério do ônus da prova, mas decidiu a controvérsia mediante valoração da prova, firmando seu convencimento e motivando sua decisão, na forma do disposto no art. 131 do CPC/1973. Não procede, portanto, a indicação de ofensa aos arts. 818 da CLT e 333 do CPC/1973. III . Quanto à divergência jurisprudencial apontada, os modelos colacionados são inservíveis para demonstração de conflito de teses. IV . Recurso de revista de que não se conhece" (RR-1483-69.2014.5.17.0004, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 20/09/2019 – grifos acrescidos).


No mesmo sentido, são precedentes de mais Turmas desta Corte Superior (citações sem fim de provocar divergência jurisprudencial no tema):


TST 2018 "AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. RECLAMADA. INTERPOSIÇÃO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.015/2014 E ANTES DA VIGÊNCIA DA INSTRUÇÃO NORMATIVA N.º 40 DO TST. PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO DO TRT POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL O TRT pronunciou-se expressamente sobre a questão suscitada pela parte, quanto ao alegado julgamento extra petita , sendo que eventual erro de julgamento não enseja a nulidade do acórdão mas sua reforma, se for o caso. Intactos os arts. 832 da CLT, 458 do CPC e 93, IX, da Constituição Federal. Agravo de instrumento a que se nega provimento. JULGAMENTO EXTRA PETITA Na petição inicial, o reclamante narrou como causa de pedir a ocorrência de dispensa discriminatória devido a câncer de próstata, e pediu a reintegração ou pagamento da indenização respectiva, mencionando expressamente a Súmula 443 do TST (item da inicial III). O fato de não haver menção expressa à Lei nº 9.029/1995 não configura julgamento extra petita , já que os fatos estavam devidamente delineados, cabendo ao julgador o enquadramento jurídico respectivo. Além disso, a circunstância de o pedido não constar do rol formulado na petição inicial, mas em outro tópico daquela peça, não impede seu acolhimento. Julgados. Agravo de instrumento a que se nega provimento. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA Embora o câncer não seja doença estigmatizante, a descrição dos fatos pelo TRT de origem demonstra que a empresa tinha conhecimento da doença e de que o trabalhador estava prestes a fazer uma cirurgia . Essa circunstância fática, aliada à afirmativa do TRT de que não foi devidamente comprovada a alegação defensiva de que a dispensa ocorreu para redução de custos, impede o reconhecimento de que houve violação dos arts. 818 da CLT e 333, I, do CPC de 1973, ou mesmo contrariedade à Súmula n.º 443 do TST. Com efeito, a discriminação por motivo de doença grave é de difícil comprovação, mas pode ser extraída do contexto em que a dispensa ocorreu, aliada aos demais dados do processo, como ocorreu no caso em exame. Agravo de instrumento a que se nega provimento. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. VALOR ARBITRADO A decisão do TRT baseou-se na análise das provas pois, conforme o TRT, ao contrário do que vinha sendo alegado pela empresa no decorrer do processo, ela tinha conhecimento da doença do trabalhador na data da dispensa. Além disso, conforme o TRT, o caráter discriminatório foi confirmado pelo conjunto das provas. Por outro lado, no trecho transcrito não há elementos capazes de confirmar a alegação de que o valor arbitrado a título de indenização (R$ 15.000,00) foi desproporcional. Correta a aplicação da Súmula n.º 126 do TST. Agravo de instrumento a que se nega provimento" (AIRR-1467-08.2013.5.10.0017, 6ª Turma, Redatora Ministra Kátia Magalhães Arruda, DEJT 15/06/2018 – grifos acrescidos).


De igual modo, foi o entendimento esposado pela Eg. SBDI-2 do Tribunal Superior do Trabalho, em caso análogo, em que se reconheceu o direito a reintegração de empregada que apresentava doença não estigmatizante, mas foi demitida sem justo motivo em data próxima a de uma cirurgia necessária para tratar a enfermidade.


Na hipótese, a Eg. SBDI-2 vislumbrou o caráter discriminatório da dispensa, ainda que não envolvesse doença estigmatizante, por ter ocorrido na iminência de a empregada realizar procedimento cirúrgico. Eis o teor da ementa do julgado:


SBDI-2 TST "RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. REINTEGRAÇÃO LIMINAR. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. ART. 1.º DA LEI N.º 9.029/1995. DOENÇA RENAL. DIVERSOS AFASTAMENTOS NO CURSO DO CONTRATO DE TRABALHO E INDICAÇÃO DE CIRURGIA DE EMERGÊNCIA . 1. Cuida-se de Mandado de Segurança impetrado contra decisão que deferiu pedido de concessão de tutela provisória de urgência, em caráter antecipatório, que visava a reintegração liminar no emprego, bem como o restabelecimento do plano de saúde, com amparo no fato de ter sido a dispensa discriminatória diante do quadro de doença renal e da iminência de cirurgia. 2. No caso em exame, a análise dos elementos de prova apresentados, em juízo de cognição sumária, revela o atendimento das exigências contidas no art. 300 do CPC de 2015. 3. De fato, tem-se que a litisconsorte passiva foi demitida em 15/5/2022, havendo prova nos autos de diversos afastamentos de poucos dias cada entre os anos de 2019 e 2022. No ano de 2019 consta um afastamento de 5 dias; em 2020 constam 3 afastamentos de 2 dias cada; e, entre 2021 e 2022, foram 49 afastamentos de poucos dias cada. O último afastamento ocorreu no período de 3/5/2022 a 4/5/2022. Há referência nos autos ao prontuário médico da então empregada, que demonstra que a empresa tinha ciência da doença renal e que menciona afastamento de 5 dias para internação em UTI em 2021. A prova dos autos evidencia que a litisconsorte passiva sofre de nefrolitíase esquerda e ITU de repetição, a saber, pedra nos rins e infecção urinária de repetição, tendo sido indicado tratamento cirúrgico de emergência em 17/5/2022, ou seja, apenas dois dias após a demissão. 4. Assim, por mais que a doença renal não seja considerada estigmatizante ou que gere preconceito nos termos da Súmula n.º 443 desta Corte, o fato é que o contexto em que se desenvolveu o contrato de trabalho, com os inúmeros afastamentos e a internação em UTI, sugere que a culminância da demissão logo após o retorno de um afastamento médico e a iminência de uma cirurgia indica uma possível discriminação com a situação da empregada, que a toda evidência ainda se encontrava doente no momento da despedida. Logo, patente a relação de causa e efeito entre a doença renal e a demissão, resta configurada a dispensa discriminatória nos termos do art. 1.º da Lei n.º 9.029/1995 . 5. Não se verifica, portanto, ato ilegal ou abusivo da autoridade coatora que, pelos elementos dos autos, constatou a probabilidade da dispensa discriminatória, a impor a obrigação de reintegrar a litisconsorte passiva imediatamente no emprego. 6. Recurso Ordinário conhecido e não provido" (ROT-381-43.2022.5.17.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Luiz Jose Dezena da Silva, DEJT 29/09/2023 – grifos acrescidos).


Requer o conhecimento do Recurso de Revista da Reclamante por violação ao artigo 1º da Lei nº 9.029/95.


Conclusão


Como consectário do conhecimento por violação ao artigo 1º da Lei nº 9.029/95, requer o provimento do Recurso de Revista para condenar a Reclamada ao pagamento de indenização referente o período de afastamento em dobro, nos termos da Sumula nº 28 do TST.


Requer a invenção do ônus da sucumbência e honorários advocatícios pela Reclamada.

 

Nesses termos, pede deferimento.


Data da assinatura digital.


Wendell Rodrigues Da Silva

OAB/RJ 231.921

 

 

 

 


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